Novo Código Eleitoral: ainda é tempo de corrigir rumos e proteger debate na internet

 

07/06/2025

Por Jamil Assis | Diretor de Relações Institucionais do Instituto Sivis

Reproduzido do Jota

Congresso Nacional debruça-se, neste momento, sobre o PLP 112/2021, que propõe um novo Código Eleitoral para o país. A proposta, relatada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, visa consolidar e racionalizar a legislação eleitoral brasileira, reunindo regras atualmente dispersas em diferentes diplomas normativos. O objetivo declarado é nobre: simplificar, modernizar e trazer maior segurança jurídica ao processo eleitoral.

Deve-se reconhecer, com justiça, que o senador relator tem demonstrado abertura ao diálogo. Em audiências públicas promovidas pelo Senado, representantes da sociedade civil, especialistas e instituições têm sido ouvidos com atenção, e há expectativa legítima de que o relatório final reflita essas contribuições. A escuta ativa do relator é um sinal alentador de maturidade institucional.

Apesar das boas intenções e de alguns avanços, o projeto, tal como está, carrega dispositivos que impõem riscos reais à liberdade de expressão e ao pluralismo informativo. É o que mostra a nota técnica publicada pelo Centro Voxius de Liberdade de Expressão, que analisa sete pontos críticos do relatório.

Entre eles, merecem destaque o agravamento do crime de divulgação de informações falsas em contexto eleitoral (artigo 859), a autorização judicial para banimento de contas (artigo 493) e a proibição de propaganda por influenciadores profissionais (artigo 489 §9º).

O artigo 859 não inaugura um novo tipo penal, mas agrava substancialmente o crime já previsto no artigo 323 do Código Eleitoral. Hoje, divulgar fatos sabidamente inverídicos em propaganda eleitoral é punido com detenção de até um ano ou multa.

Com o novo texto, a pena passa a ser de reclusão de 1 a 4 anos, além de multa, e pode ser aumentada em até dois terços em certos casos. A reforma amplia o rol de condutas puníveis — incluindo o simples compartilhamento de conteúdo — e adota critérios vagos, como a intenção de “deslegitimar o processo eleitoral” ou “desestimular o voto”.

Essa combinação de subjetividade e severidade penal provoca insegurança jurídica e ameaça o debate público. Críticas duras, sátiras políticas, denúncias legítimas ou até dúvidas sobre o funcionamento do processo eleitoral poderão ser interpretadas como infrações criminais. O medo de responsabilização penal tende a silenciar jornalistas, influenciadores e cidadãos comuns. É o chamado efeito chilling, que esfria o debate democrático justamente no momento em que ele mais importa: o período eleitoral.

Ainda mais preocupante é o artigo 493, que estabelece que “é proibido o banimento, o cancelamento, a exclusão ou a suspensão de conta de candidato a cargo eletivo durante o período eleitoral, salvo por decisão judicial ou em atendimento às regras do § 1º do art. 490 desta Lei.” À primeira vista, o dispositivo parece proteger a liberdade de expressão dos candidatos ao vedar medidas unilaterais de plataformas.

No entanto, seu verdadeiro efeito é o oposto: ao incluir uma exceção para decisões judiciais, o texto passa a conferir base legal inédita para o banimento preventivo de contas em período eleitoral, antes mesmo da publicação de qualquer conteúdo específico.

Essa exceção legaliza uma prática jurisprudencial recente — e profundamente controversa — que até hoje não tem respaldo em norma legal, tampouco encontra guarida na Constituição. Ao positivá-la, o PLP transforma em regra o que deveria ser, no mínimo, uma medida excepcional, sujeita a salvaguardas rigorosas. O resultado é a abertura para censura prévia, expressamente vedada pelo artigo 220 da Carta Magna.

Ao mesmo tempo, o dispositivo proíbe que plataformas digitais ajam com base em seus próprios termos de uso durante o período eleitoral, mesmo em casos de publicações que exponham terceiros a riscos indevidos — como conteúdos pornográficos e lesivos aos que coabitam o território digital. Ao impedir esse tipo de ação proativa, o projeto impõe uma camisa de força às empresas privadas, que ficam impedidas de moderar seu próprio ambiente digital com responsabilidade.

O problema se agrava diante da escala do sistema eleitoral brasileiro: com mais de 5.500 municípios, é comum que eleições municipais, por exemplo, envolvam dezenas de milhares de candidatos. Se o artigo for aprovado como está, todos esses candidatos ficariam, na prática, imunes às regras das plataformas, tornando os ambientes digitais suscetíveis a abusos. 

É legítimo que se exijam sanções mais razoáveis por parte das plataformas aos candidatos durante o período eleitoral. Campanhas são, por natureza, marcadas por beligerância e conteúdos controvertidos entre os envolvidos. Ainda assim, suspensões de um, dois, sete dias significam um, dois ou sete dias sem comunicação com o eleitor. Perde o candidato — mas perde também o eleitor e a democracia.

O artigo 493 desequilibra o sistema: retira das plataformas a capacidade de proteger seus usuários e transfere ao Judiciário um poder amplo, mal delimitado e com forte potencial de promover o silenciamento prévio de vozes políticas. A democracia perde dos dois lados.

No campo da comunicação política, o artigo 489 §9º proíbe influenciadores que atuam profissionalmente — ou seja, que monetizam seus canais — de fazer propaganda eleitoral, ainda que gratuita. A norma, se aprovada, tornará ilegal o engajamento político de uma categoria inteira de comunicadores, com grande influência sobre nichos populacionais e sobretudo sobre o público jovem.

Além de restringir a liberdade de expressão, a medida cria uma disparidade com veículos tradicionais, como rádio e TV, que continuam livres para manifestar opiniões políticas.

Outras disposições do PLP 112/2021 seguem essa lógica restritiva. A proibição da compra de palavras-chave relacionadas a adversários (artigo 489 §10º) compromete a competitividade entre candidatos e limita estratégias legítimas de visibilidade. 

O artigo 491, ao exigir direito de resposta com alcance equivalente ao conteúdo original, ignora a dinâmica algorítmica das redes sociais e impõe exigências de difícil execução. Já o artigo 492 veda totalmente o uso de perfis automatizados, inclusive para funções legítimas, como acessibilidade, atendimento ou divulgação de informações de campanha.

Juntas, essas medidas centralizam o debate político, reduzem a diversidade de vozes e comprometem a vitalidade do ambiente digital. Em nome da lisura eleitoral — um valor inegociável —, corre-se o risco de sacrificar as bases da própria democracia: o pluralismo, a liberdade de crítica e a possibilidade de engajamento político amplo e acessível.

Não se trata de negar os problemas enfrentados pelas eleições em tempos de polarização e digitalização do debate. Mas a resposta a esses desafios deve ser proporcional, precisa e tecnicamente fundamentada. O excesso de tipificações penais, a censura preventiva, o cerceamento à autonomia das plataformas e as restrições a formas modernas de comunicação política não fortalecem a democracia — enfraquecem-na.

É legítimo e necessário reformar o Código Eleitoral. Mas a reforma deve ser feita com prudência, transparência e respeito à Constituição. Espera-se que o Senado, atento aos sinais da sociedade civil e amparado pelo histórico de escuta do relator, promova as correções necessárias no texto.

A liberdade de expressão não é inimiga da Justiça Eleitoral — é sua principal aliada. Sem vozes livres, não há votos conscientes. Sem crítica aberta, não há escolha legítima. Sem pluralismo, não há democracia.

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