A universidade é, por excelência, um espaço de debate. É nesse ambiente que hipóteses se confrontam, consensos se questionam e ideias divergentes disputam lugar com base em evidências. Entretanto essa pluralidade vem sendo substituída por uma lógica de unanimidade a fórceps. Projetos de pesquisa que se alinham às agendas dominantes aumentam suas chances de financiamento, professores ajustam o conteúdo de suas disciplinas para evitar atritos e, em muitos casos, o simples ato de sustentar uma opinião dissonante basta para relegar alguém à condição de “problemático”. A consequência é clara: no lugar da diversidade intelectual, instala-se um ambiente de conformidade e silêncios antecipados.
A pesquisa Liberdade de Expressão Acadêmica, do Instituto Sivis, ajuda a dimensionar esse cenário. Quase metade dos estudantes brasileiros afirma evitar discutir temas considerados polêmicos em sala de aula. Esse dado sugere que, mesmo antes de chegar ao campo da pesquisa, a universidade já convive com uma forma de autocensura cotidiana. Quando os alunos evitam determinados assuntos e os professores percebem o risco de críticas ou represálias institucionais, muitos optam por não se expor. O efeito cascata é devastador para a integridade da pesquisa científica. Ideias que poderiam gerar debates frutíferos e avanços conceituais são abandonadas antes mesmo de ganhar forma, por medo do custo social de apresentá-las.
O estudo recente da organização More in Common demonstrou que o grupo dos “progressistas militantes” é o mais escolarizado, rico e branco dentre os politicamente engajados no Brasil. A coincidência com a elite intelectual nacional, ainda que não possamos extrapolar os dados, parece-nos razoável. Concomitantemente, vemos a passagem de uma polarização política programática, em que divergíamos sobre projetos de país, para uma polarização afetiva, em que a discordância é vista como ameaça identitária, conforme escrevem Felipe Nunes e Thomas Traumann em “Biografia do Abismo. Não à toa, o grupo é o mais distante da base da sociedade, como asseveram os resultados da pesquisa.
Quem se arrisca a desafiar o consenso dominante na universidade, onde as ideias são o foco de disputa, não é apenas um adversário teórico, é rapidamente convertido em inimigo moral. O resultado são formas sutis, mas eficazes, de exclusão: menos convites para bancas, dificuldades para integrar redes de pesquisa, piadas e comentários “inocentes”, isolamento em espaços profissionais e sociais.
Esse movimento corrói não apenas a vida acadêmica, mas a própria função social da universidade. Como formar cidadãos críticos se a instituição se mostra incapaz de sustentar o contraditório? Como promover inovação se o critério de financiamento privilegia pesquisas que “jogam seguro, evitando desafiar as premissas aceitas? A universidade, que deveria oferecer à sociedade conhecimento questionador e soluções alternativas, limita-se a reproduzir o senso comum douto.
Contudo, a liberdade de expressão não é absoluta — há limites éticos e legais necessários, desde que circunscritos e pontuais. O problema é quando a fronteira entre ética e patrulha ideológica se dissolve, e todo argumento incômodo passa a ser visto como ameaça. Nesse ponto, aquilo que deveria coibir abusos acaba restringindo o debate.
É preciso questionar: se a universidade não suporta a divergência, quem suportará? A pluralidade não é luxo nem concessão, é a condição mínima para que a ciência siga sendo ciência. Sem ela, restam apenas clubes de pensamento único — confortáveis aos alinhados, mas ao custo de impor ostracismo intelectual e social àqueles que ousam divergir, comprometendo a capacidade de produzir conhecimento científico inovador.
Por Fernanda Trompczynski e Bruno Bolognesi


