A controvérsia em torno da regulação das deep fakes

 

03/06/2025

Por Fernanda Trompczynski | Estagiária de pesquisa no Instituto Sivis

Reproduzido da Gazeta do Povo

A nova legislação eleitoral, que entrou em vigor nas últimas eleições municipais, teve como um de seus focos o combate à desinformação nas campanhas eleitorais — uma preocupação legítima, sobretudo em um cenário de rápido desenvolvimento de mecanismos de produção e divulgação desse tipo de conteúdo. Nesse sentido, o artigo 9º-C, §§ 1º e 2º da Resolução 23.732/2024 define e proíbe o uso de deep fakes em propagandas eleitorais. No entanto, a aplicação dessa lei nas eleições de 2024 gerou controvérsias quanto à sua interpretação.

Conforme explicado no relatório produzido pelo Centro Voxius, a Resolução do TSE define deep fakes como “conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, gerado ou manipulado digitalmente para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia”, e proíbe seu uso para prejudicar ou favorecer candidaturas. A manipulação tecnológica pode, evidentemente, distorcer percepções públicas e afetar decisões eleitorais. No entanto, a falta de uniformidade na sua aplicação, devido ao entendimento subjetivo dos critérios, pode gerar danos à liberdade de expressão.

Eventualmente, conteúdos ácidos, porém legítimos, podem ser banidos conforme a interpretação de quem detém o poder. A liberdade de expressão é fundamental para o bom-funcionamento democrático e, portanto, não pode estar condicionada a interpretações e condenações subjetivas

Duas decisões com base nesta regulação, em 2024, ilustram a incongruência em seu entendimento e, consequentemente, em sua aplicação. O TRE-SP negou o pedido de remoção de um vídeo publicado pela candidata à prefeitura de São Paulo, Tábata Amaral (PSB), no qual a cabeça do atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), foi colocada no corpo do personagem Ken. O tribunal entendeu que, além da peça não se tratar de um material de campanha, não havia verossimilhança com a realidade que confundisse o eleitor.

Em compensação, o candidato a vice-prefeito de Uberlândia, Gustavo Galassi (PSDB), foi condenado pelo TRE-MG a retirar do ar um vídeo, produzido por inteligência artificial, no qual seu falecido avô (e ex-prefeito) aparece abraçando o candidato. Ainda que o vídeo tenha sido produzido como uma homenagem ao avô falecido e o uso de inteligência artificial tenha sido alertado, a decisão de remoção foi mantida.

Percebe-se, assim, uma dificuldade em definir claramente constituindo uma prática ilícita nos termos do regulamento. A falta de critérios objetivos na lei, portanto, gera divergências quanto ao nível de sofisticação tecnológica necessário para caracterizar uma manipulação digital como deep fake. Enquanto alguns TREs exigem alta complexidade técnica, outros consideram que até mesmo simples distorções da realidade já constituem violação à norma, independentemente da qualidade da edição.

Simultaneamente, há desacordos sobre a admissibilidade de conteúdos manipulados com finalidade humorística e satírica, revelando posicionamentos contraditórios sobre se a intenção de enganar ou o mero potencial de indução ao erro já seriam suficientes para configurar ilícito eleitoral.

Dessa maneira, embora a Resolução 23.732/2024 tenha regulamentado o uso de deep fakes nas campanhas eleitorais, a interpretação do que constitui essa tecnologia e a avaliação de intencionalidade do emissor têm sido inconsistentes, gerando incertezas sobre o que pode ou não ser veiculado. Eventualmente, conteúdos ácidos, porém legítimos, podem ser banidos conforme a interpretação de quem detém o poder. A liberdade de expressão é fundamental para o bom-funcionamento democrático e, portanto, não pode estar condicionada a interpretações e condenações subjetivas.

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