MC Poze, Oruam e Léo Lins: uma semana emblemática para a liberdade de expressão

 

05/06/2025

Por Jamil Assis | Diretor de Relações Institucionais do Instituto Sivis

Reproduzido da Gazeta do Povo

Na mesma semana em que MC Poze foi liberto da penitenciária de Bangu sob aplausos, gritos e festa comandada pela “tropa do Oruam”, o humorista Léo Lins foi condenado a oito anos de prisão por “praticar, induzir ou incitar discriminação” em razão de piadas feitas em seus shows. O contraste é chocante — e revelador.

MC Poze, ícone do funk proibidão, acumula uma longa ficha de apologia ao crime. Ele e o parceiro Oruam são abertamente ligados ao Comando Vermelho, mencionando armas, drogas e a exaltação do tráfico em suas letras. Basta uma rápida busca para encontrar trechos que fazem propaganda explícita da facção criminosa que domina comunidades do Rio de Janeiro. E, ainda assim, não só estão soltos, como são celebrados como astros — inclusive à porta do presídio.

Enquanto isso, Léo Lins, cujo trabalho é justamente explorar os limites do humor — por vezes ácido, ofensivo ou provocador — foi condenado com uma pena semelhante à de traficantes. Não por agredir fisicamente, não por integrar uma organização criminosa, mas por piadas. 

A base legal da condenação: ter “praticado, induzido ou incitado discriminação”, segundo interpretação judicial. Não se tem conhecimento de nenhum ataque a pessoa vulnerável incitado pelo stand-up de Léo Lins.

E como se tudo isso não bastasse, o Supremo Tribunal Federal ensaia nesta mesma semana uma flexibilização do artigo 19 do Marco Civil da Internet — justamente a norma que impede que plataformas removam conteúdos sem ordem judicial, protegendo a liberdade de expressão online. 

A decisão poderá permitir que redes sociais sejam pressionadas por interesses políticos ou econômicos a remover conteúdos sem o devido processo, abrindo as portas para a censura privada incentivada pelo Estado.

A questão é de coerência. Se os porta-vozes do narcotráfico podem circular livremente — exaltando facções e violência — o que justifica o Supremo Tribunal Federal intervir nas redes sociais para censurar discursos infinitamente menos nocivos? 

Se é permitido glorificar organizações criminosas em um país assolado pelo narcoterrorismo, por que não há liberdade de expressão para um humorista fazer piadas, ainda que de mau gosto?

Trata-se, portanto, de uma semana emblemática — e preocupante. Uma semana em que a liberdade de expressão foi punida com a prisão, enquanto a apologia ao crime foi tratada com festa. Em que o Estado sinalizou que o humor pode ser mais perigoso que o tráfico, e que o debate livre na internet talvez precise de tutela. Algo está profundamente errado.

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