01/07/2025
Por Sara Clem | Analista de pesquisa do Instituto Sivis
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Já se esperavam mudanças quando o tema chegou à Corte, mas a decisão surpreendeu pela radicalidade, sobretudo ao reforçar o chamado “dever de cuidado” das plataformas, abrindo caminho para formas disfarçadas de censura prévia. A decisão marca um momento gravíssimo para o futuro da liberdade de expressão no Brasil, sobretudo porque revela uma concepção distorcida e preocupante desse direito por parte do Poder Judiciário.
A fala da ministra Cármen Lúcia durante o julgamento ilustra bem a contradição presente na decisão. Embora tenha afirmado anteriormente, em 2022, que a censura deve ser “excepcionalíssima”, e reiterado agora que “a censura deve ser proibida”, relativizou na prática o princípio da liberdade de expressão ao se referir aos brasileiros como os “213 milhões de pequenos tiranos soberanos”. Essa declaração sugere que os brasileiros, em sua suposta irracionalidade, são perigosos demais para lidarem com a liberdade e, por isso, devem ser contidos.
Nos questionamos: caberia ao STF reescrever um dos pilares do Marco Civil da Internet? Como guardião da Constituição, não deveria apenas apontar eventuais inconsistências e indicar caminhos para que o Legislativo fizesse as correções necessárias?
Esse tipo de argumento revela um profundo paternalismo por parte do STF. Ao insinuar que a população age movida por impulsos e paixões incontroláveis, os ministros acabam legitimando uma visão em que o Judiciário assume o papel de árbitro supremo do certo e do errado. Consiste em uma lógica autoritária, que desconfia da autonomia dos cidadãos e desloca o eixo das decisões públicas para um poder não submetido diretamente à soberania popular.
Mais grave ainda é o fato de que essa interpretação coloca em risco anos de debates e construção coletiva em torno do Marco Civil da Internet. O artigo 19, embora passível de críticas e aperfeiçoamentos, foi resultado de um processo democrático e técnico, envolvendo especialistas, organizações da sociedade civil e o próprio Congresso Nacional. O STF, ao desconsiderar esse histórico e reescrever as regras em poucos meses, com base em uma visão estreita da liberdade de expressão, enfraquece o princípio da legalidade e mina a confiança nas instituições.
Diante disso, nos questionamos: caberia ao STF reescrever um dos pilares do Marco Civil da Internet? Como guardião da Constituição, não deveria apenas apontar eventuais inconsistências e indicar caminhos para que o Legislativo fizesse as correções necessárias? Ao assumir para si o papel de legislador, o STF ultrapassa os limites de sua função e enfraquece o processo legislativo, que envolve consulta pública, participação técnica e representação popular. Cabe lembrar que o Legislativo já realizou sessões para discutir a regulação das plataformas através do PL 2630, mas decidiu por não legislar, por hora.
A resposta que o Supremo nos deu com essa decisão é preocupante e exige vigilância de todos que defendem e promovem o valor da liberdade de expressão e a pluralidade para uma democracia saudável.