A democracia brasileira está com problemas e não está “tudo bem”

A democracia brasileira vive um estado de exceção não declarado, com ativismo judicial e insegurança jurídica. Entenda os riscos e veja propostas de reforma.

Como já discutimos anteriormente neste espaço, o Brasil convive com dois “pecados” mortais: o flerte histórico com o autoritarismo, ainda marcado pelo fantasma do golpe de 1964, e a tendência de solapar o Estado de Direito Democrático em nome de supostamente proteger a democracia.

Nos últimos tempos, observa-se um avanço lento, porém importante, no reconhecimento de que o segundo movimento pode ser tão grave quanto o primeiro. Em alguns círculos, contudo, ainda parece aceitável combater o golpismo mesmo que isso implique desrespeitar o devido processo legal ou legislar e julgar sobre matérias que não competem ao Judiciário.

O momento atual é grave: ainda que o país não possa ser classificado como uma ditadura, tampouco se sustenta plenamente como uma democracia substancial. As garantias do Estado de Direito são enfraquecidas, gerando insegurança jurídica e afetando direitos fundamentais.

Esse fenômeno revela o que temos caracterizado como um estado de exceção não declarado: as instituições continuam funcionando, eleições são realizadas e algumas liberdades permanecem asseguradas, porém, os contrapesos constitucionais são progressivamente erodidos. A aparência de normalidade institucional mascara a profundidade do problema.

Desde as denúncias da Crusoé em 2019, este padrão se tornou ainda mais evidente. A Corte passou a investigar, acusar e julgar no âmbito de inquéritos que se arrastam por anos, sem prazo definido, objeto delimitado ou transparência adequada. As decisões monocráticas tornaram-se instrumentos frequentes para suspender leis aprovadas pelo Legislativo, interferir em políticas do Executivo e até redesenhar regras orçamentárias.

Esse avanço também impacta a liberdade de expressão. Vemos isso no julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, nas resoluções eleitorais e em decisões que antes eram consideradas excepcionalíssimas, mas que gradualmente se tornam regra.

A democracia brasileira sempre enfrentou dificuldades como a baixa participação política, cultura política frágil e desigualdades estruturais. Mas o momento atual é grave: ainda que o país não possa ser classificado como uma ditadura, tampouco se sustenta plenamente como uma democracia substancial. As garantias do Estado de Direito são enfraquecidas, gerando insegurança jurídica e afetando direitos fundamentais como a liberdade de expressão.

O Judiciário deveria ser o guardião da democracia, e, de fato, é um dos pilares essenciais para o funcionamento do regime. Mas para cumprir esse papel, precisa ser capaz de se autoconter, preservando-se como um poder técnico, e não político.

Em anos de eleições se aproximando, é ainda mais fundamental que haja uma mudança na postura da Corte. Esse tipo de ativismo acarreta desconfiança institucional e na própria democracia, tornando ainda mais urgente que os poderes atuem com responsabilidade e respeito às suas competências para preservar a estabilidade do regime.

Por isso, é necessário que haja abertura para discutirmos como a autocontenção deve ocorrer, especialmente por meio de reformas no Judiciário, com a revisão de privilégios, a adoção de códigos de conduta e outras medidas que reforcem a transparência e a prestação de contas.

Reproduzido da Gazeta do Povo. Leia a publicação original.

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