A democracia é um tema que tem ganhado cada vez mais espaço no debate público. Vemos discursos de políticos que dizem defender a democracia aqui e ali. Mas, afinal, o que isso realmente significa?
Na literatura de Teoria Democrática, há um esforço contínuo por parte dos pesquisadores para definir o que é democracia. De fato, existem diversas concepções sobre o tema. No entanto, apesar dessa pluralidade de visões, é necessário que haja um núcleo mínimo para que possamos classificar um regime como democrático. A presença de eleições livres e justas, assim como a garantia de direitos e liberdades civis — especialmente a liberdade de expressão — compõe esse núcleo essencial da democracia.
Embora muitas pessoas se preocupem com sua própria liberdade, aceitam sua relativização com base em critérios amplos e subjetivos
É verdade que a democracia pode ser entendida a partir de uma perspectiva minimalista, para a qual apenas esse núcleo fundamental já seria suficiente. Por outro lado, há quem defenda uma visão maximalista, segundo a qual a democracia deve também promover justiça social e oferecer formas mais amplas de participação direta dos cidadãos nas decisões do governo.
Mesmo com essa variação, sobretudo no que diz respeito à extensão da participação cidadã, é fundamental que esse núcleo duro, que define o que é ser democrático, não seja relativizado.
Diante desse contexto, temos vivido tempos em que um dos pilares fundamentais da democracia — a liberdade de expressão — tem sido relativizado. Esse valor, que garante a pluralidade de ideias, o dissenso e a responsabilização dos poderes (accountability), muitas vezes é mal compreendido e atacado, seja por ser confundido com impunidade, seja por ser visto como um “passe livre” para discursos ofensivos.
Vemos um paradoxo nos dados recentes da pesquisa da AtlasIntel: 40% dos brasileiros afirmam sentir-se pouco ou nada livres para expressar suas opiniões. No entanto, boa parte da população também demonstra apoio majoritário à remoção imediata de conteúdos após denúncias de usuários, especialmente em casos como notícias falsas (75%) e discurso de ódio (74%). Percebemos, assim, que embora muitas pessoas se preocupem com sua própria liberdade, aceitam sua relativização com base em critérios amplos e subjetivos.
Esses dados revelam uma confusão conceitual sobre o que significa liberdade de expressão e quais são os seus limites. Também expõem uma fragilidade no compromisso com os princípios democráticos. Viver em uma sociedade onde o discurso é livre pode, de fato, gerar desconfortos. No entanto, como destaca o especialista Jacob Mchangama em seu livro Liberdade de Expressão: De Sócrates às mídias sociais, é justamente nesses momentos que precisamos reforçar a proteção ao livre discurso.
A história mostra que a censura “pontual” a conteúdos considerados ofensivos, mesmo em contextos democráticos, frequentemente se transforma em ferramenta de repressão quando regimes autoritários assumem o poder. O que precisamos perceber é que, muitas vezes, acreditamos que nossa liberdade nunca será cerceada até que seja tarde demais.
Diante disso, é fundamental defender a democracia — entendida aqui a partir de seu core: a presença de eleições livres e justas, a garantia de direitos, e a proteção das liberdades civis, especialmente a liberdade de expressão. Não podemos relativizar princípios democráticos, é justamente a liberdade do discurso e expressão que nos assegura a possibilidade de resistir a abusos de poder e impede que regimes autoritários prevaleçam.
Por Sara Clem | Analista de pesquisa no Instituto Sivis