Quase metade dos universitários evita temas polêmicos em sala de aula: ‘Tolerância não é valorizada’

Pesquisa do Instituto Sivis ouviu 1.092 estudantes para mapear liberdade de expressão em instituições de ensino superior

Uma pesquisa feita pelo Instituto Sivis mediu a liberdade de expressão nas universidades brasileiras e constatou que parcela significativa dos estudantes não se sente à vontade para manifestar suas posições políticas perante colegas ou professores. Quase 48% dos universitários afirmaram que, nos últimos 12 meses, evitaram assuntos controversos ou polêmicos na sala de aula ocasionalmente, muitas vezes ou sempre.

Essa autocensura reflete a polarização política que ocorre há anos no Brasil, mas surpreende por se esperar da universidade um ambiente favorável ao debate, na análise do instituto. O Sivis é um think thank que trata de temas como democracia e liberdade de expressão.

Essa percepção, segundo especialistas, compromete tanto o desenvolvimento de pesquisas quanto a formação dos professores e alunos, que se deparam com um espaço menos plural e favorável à troca de ideias e debate de argumentos.

A pesquisa ouviu 1.092 universitários, de forma presencial, em 23 cidades de todas as regiões do Brasil, ao longo de dez dias de maio. A amostra foi probabilística e desenhada com o objetivo de representar adequadamente a população estudantil.

Por isso, foi feita estratificação por região, tipo de instituição (pública ou privada) e área do conhecimento (humanas, exatas e saúde), considerando o universo de mais de 5 milhões de universitários do Brasil.

O Sivis perguntou com quem frequência os estudantes evitaram discutir assuntos controversos na sala de aula nos últimos 12 meses:

  • 14,5% responderam que sempre;
  • 12,1% disseram que muitas vezes;
  • 21,1% afirmaram que ocasionalmente evitaram.

Entre eles, 43,1% se identificam com o centro, 34,3% com posições mais à direita e 29,9% com posições mais à esquerda.

“Encontramos dados alarmantes, porque parte significativa (dos universitários) não se sente segura no espaço da universidade e evita discutir assuntos controversos ou polêmicos na sala de aula”, afirma Sara Clem, analista de pesquisa do Instituto Sivis.

“A situação que a gente vê na universidade faz parte e é reflexo de uma cultura democrática frágil, com pouco diálogo e onde a tolerância não é valorizada”, continua.

A percepção de menor liberdade de expressão nas universidades não se restringe ao Brasil. Em pesquisa de 2024 da consultoria britânica Times Higher Education feita com 452 entrevistados em 28 países, 77% dos respondentes percebem diminuição da liberdade de expressão acadêmica na última década.

Em março, em um caso emblemático, autoridades aplicaram multa recorde contra a Universidade de Sussex, no Reino Unido. O motivo foi não “defender a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica” de uma funcionária.

A multa resulta da investigação do caso de Kathleen Stock, professora de Filosofia, que pediu demissão após relatar uma campanha de assédio por parte de alunos e ativistas devido a suas opiniões sobre identidade de gênero.

No Brasil, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que violam a liberdade de expressão de alunos e professores as tentativas de impedir a livre manifestação de ideias dentro das universidades. A ação era julgada desde o 2º turno da eleição de 2018, após juízes autorizarem operações policiais em câmpus onde ocorriam campanhas político-partidárias.

Nos Estados Unidos, o receio de interferências na liberdade acadêmica aumentou após o presidente Donald Trump ameaçar universidades, como Harvard e Columbia, de corte de financiamento caso não sigam regras impostas pela Casa Branca.

Nos últimos anos, o tema também tem mobilizado debates sobre o papel da imprensa, da Justiça, do governo e das big techs (plataformas responsáveis pelas redes sociais) no equilíbrio entre a defesa da liberdade de expressão e do combate aos discursos de ódio e outros crimes.

Quais os temas mais evitados nas universidades?

Para descobrir os temas mais evitados, os pesquisadores apresentaram uma lista com 14 assuntos e perguntaram se o universitário se sente confortável ou relutante em conversas sobre eles.

Os temas com maior nível de desconforto foram:

  • Política e eleições: 39,3% dos estudantes relataram sentir algum nível de desconforto ao expressar suas opiniões sobre isso.
  • Posse ou porte de armas (37%)
  • Aborto (29,7%)
  • Legalização da maconha (28,6%)
  • Questões ligadas a pessoas transgênero (28,3%)

O Sivis também quis saber se o pesquisado pratica autocensura, que consiste em se abster de compartilhar certas opiniões por medo de retaliações, sejam elas sociais (por exemplo, exclusão de eventos sociais), profissionais (como perda do emprego ou promoção), legais (como processo judicial ou multa) ou violentas (agressão, por exemplo), independentemente de essas consequências virem do poder público ou de outras fontes.

Durante as discussões em sala de aula, 8,5% dos universitários afirmaram sempre adotar a autocensura, 11,4% disseram adotá-la muitas vezes e 20,8% a praticaram ocasionalmente. No total, portanto, 40% dos entrevistados responderam adotar a autocensura nessa situação.

Desse grupo, 43% se identificam com o centro, 35,6% se dizem de esquerda e 32%, de direita.

Já nas conversas com outros estudantes, 4,2% dos universitários sempre se autocensuraram, 11,8% se autocensuraram muitas vezes, e 20,3% fizeram isso ocasionalmente. No total, portanto, 36,3% dos alunos adotaram a autocensura em conversas com colegas no último ano.

No recorte pela ideologia, dentre os que dizem se autocensurar ocasionalmente, muitas vezes ou sempre, 43,1% se identificam com o centro, 34,3% com posições mais à direita e 29,9%, mais à esquerda.

Nas conversas com professores, para evitar temas controversos, 8,4% dos universitários se autocensuraram sempre, 11,1% fizeram isso muitas vezes e 21,5% agiram assim ocasionalmente. No total, 41% usaram a autocensura ao falar com professores nos últimos 12 meses.

Quando analisamos a ideologia, percebemos que pessoas de centro ainda dizem se autocensurar mais, com 42,3%.Estudantes com posições mais à esquerda também relatam esse comportamento (41,1%), enquanto 21,3% dos discentes com posições mais à direita afirmam o mesmo.

“A universidade deveria ser um espaço de pluralidade de ideias, onde as pessoas pudessem discutir, independente do quão controverso fosse a ideia”, destaca Sara, analista de pesquisa do instituto.

Reproduzido do Estadão

Acesse a pesquisa completa aqui.

Veja também

Contato da Imprensa: [email protected]